quinta-feira, novembro 11, 2010

O Senhor do Adeus

Está fria a noite em Lisboa e em todos nós os que habituados estávamos a ser aquecidos por um adeus...
Passo pelo Restelo e não deixo de olhar a calçada na esperança de poder ver aquela alva figura que tanto destoava naquelas noites cheias de mulheres de pouca roupa. Ninguém me acena.
Subo ao Saldanha onde passam sem parar outras mulheres, mais vestidas, quiçá para contrastar com a rua, onde procuro encontrar esse aceno. Em vão.
A noite prossegue talvez como qualquer outra para tantos, mas para os que como eu ainda não conseguem dizer adeus a quem adeus dizia, a noite neste sítio parece agora estranha e áspera como se de um filme interminavelmente mau se tratasse… um daqueles que certamente o próprio odiaria apesar do amor sabido deste pela 7ª arte.
Queria deixar apenas para ser lido que em mim o gesto nunca foi loucura no vazio, que essa mão me dizia sempre para acreditar que ainda não estamos todos perdidos e que esse adeus foi sempre mais verdade que tantos outros feitos até por mim durante toda uma vida.
Sei que decerto nunca o quisera mas fica agora em todos os que como eu o amavam anonimamente, a solidão de que tanto fugia com acenos o Senhor do Adeus.

Até sempre

segunda-feira, setembro 27, 2010

À ribeira do Porto

Junto ao rio há um cais e junto a esse cais está um cão de pelo curto e crespo que juntamente com um assador de castanhas fazem companhia a uma mulher.
O seu cabelo cor de palha e raiz negra parece fazer conjunto propositado com o seu avental onde um enorme Galo de Barcelos faz questão de relembrar que estamos em Portugal.
Os olhos escuros e vagos são disfarçados por um sorriso comercial que faz pensar que cada transiunte é um amigo seu. Agita o assador, acrescenta sal, abana o carvão sempre sem olhar não fosse no intante de distração da manada de potenciais perder um cliente.
Não se cruzam olhares... talvez ainda não haja frio suficiente... e o vento não ajuda agora que empurra o doce cheiro de castanha a assar em direcção ao rio no sentido contrário à multidão. Suspira.
Dois clientes enfim mas logo turistas, talvez seja dificil, penso... não, nunca pois a necessidade serve-se da linguagem internacional dos gestos e não das palavras em anglo-saxonico mal mastigado.
Despedem-se cortezes e felizes... o que não faz uma simples assadora de castanhas a dois nordicos de férias certamente cisudos nos seus dia-a-dia.
O sol ressalta já obliquo nas águas do rio... tenho de ir. Caminho um pouco e olho para trás como se me despedisse da minha companhia em terno anonimato e vejo então um grupo de pessoas que agora a rodeia e percebo que será longa a noite naquele mesmo sítio onde sempre se manteve imóvel, junto do assador de castanhas, fazendo companhia ao cão de pelo curto e crespo, naquele cais junto ao rio.

sábado, novembro 21, 2009

Outra aldeia

Sentada no degrau de granito à porta daquela velha casa, olha as primeiras folhas de um Outono tardio serem arrastadas pelo vento.
Aconchega-se dentro da sua camisola de lã encarnada enquanto o chá arrefece dentro da chávena e pensa como tudo mudou naquele sítio. Ainda se lembrava de quando sentada naquele mesmo degrau via passar nos finais de tarde os pequenos seres saltitantes chilreando com grandes mochilas coloridas enquanto chutavam inutilmente as folhas dos plátanos com a inocência nos pés de quem ainda dorme para o mundo.
Anos mais tarde os mesmos seres, já maiores e menos saltitantes, pavoneavam-se com os seus sonhos sob a forma de emblemas cozidos pela mão das mães nas sacolas já bem mais vazias de livros.
Hoje, já com o chá frio que acabou por nem provar, sente-se como os velhos plátanos que oscilam ao vento para deixar cair outras folhas que esperarão em vão ser chutadas, como a calçada dos passeios que aguarda inutilmente voltar a ser a passerelle das primeiras hormonas e envelhece no olhar como de resto toda aquela aldeia…

domingo, novembro 01, 2009

Photo by: Diogo Franco


domingo, setembro 28, 2008

A noite da viagem

Enchera-se a casa de um silêncio que a fazia demasiado pequena enquanto lá fora uma ave estranha zurrava para os lembrar de que não estavam surdos. Aquela escolha que ambos conscientemente faziam, pesava no ar e afastava-os numa repulsa magnética que nenhum parecia querer quebrar.
Era como se se tivesse partido o leme e se deixassem bolinar agora pela força de um orgulho tão espesso que talvez até já nem se lembrassem de como haviam ali chegado ou talvez fosse demasiado doloroso admitir que haviam mudado tanto ao longo da neblina da viagem que no final já não eram as mesmas pessoas e agora era demasiado tarde ou doloroso para admiti-lo.
Agora o sal queima nas feridas e cicatrizes que se acumularam ao longo da viagem e o pó que haviam deixado acumular nos cantos do navio começa a ser inevitável… resta saber se ainda há braços para remar mais ou se a entrega à derrota traz mais paz que o conforto exausto de voltar ao leme.
Talvez um dia se chorem com outros olhos que não estes ou talvez nas suas bocas nasçam luas… mas enquanto um novo dia não nascer e ainda sem rumo e com o mesmo rombo no casco, seguirão adentro numa talvez demasiado longa noite.

sexta-feira, agosto 15, 2008

Photo by: Diogo Franco


quarta-feira, abril 16, 2008

O espelho

Lá fora raiava já um pequeno sol de primavera e tudo apontava para que fosse mais um daqueles dias de pequena glória doirada largada de mansinho a conta gotas na terra ainda húmida da noite.
Ainda assim, como todas as outras manhãs, deu um jeito à gravata na real ilusão daquele vidro espelhado à saída de casa. As manhãs sempre pareciam exauri-lo da vitalidade que decerto ainda tinha no seu jovem sangue e talvez por isso se imiscuísse rápido no trânsito como se tentasse por osmose apoderar-se da energia dos outros.
Faz desenhos no vidro embaciado para se assegurar de que está vivo, de que é real, de que há um sentido para a sua existência ali…
Confundem-se os minutos com horas e as estas com dias e de repente mais um acaba. Enfrenta-se de novo no mesmo vidro espelhado e a barba que desponta já assegura-o que de facto o tempo passou e de que tudo talvez seja mesmo real, que talvez exista mesmo só isto, talvez tudo o resto sejam contos de fadas, talvez não acorde nunca porque não há nada de que acordar… talvez então seja melhor adormecer ao som do sonambulismo de todos os outros e deixar-se levar.
E se um dia olhar para trás e nada vir, saberá que foi porque todos os seus dias ficaram presos naquele mesmo espelho à porta de casa...

terça-feira, outubro 09, 2007

Photo by: Diogo Franco


segunda-feira, outubro 08, 2007

Apenas um borrão

Aperto a caneta contra o papel e vejo na tinta líquida a frustração, a tristeza, a solidão e ao mesmo tempo o carinho, a paz. Conspurca-se a folha com um ponto, o primeiro de tudo o que tenho para te dizer enquanto, mais velozes que a minha inteligibilidade, discorrem todas as minhas tormentas. O ponto é agora maior, como se a folha me tentasse sugar pela ponta da caneta as palavras que se juntam e sucedem interirormente em frases e ideias, mas não cedo. Enquanto olho o ponto aumentar, não sei já se quero escrever e o medo começa a apoderar-se de mim. O ponto é agora um pequeno borrão que alastra lenta mas incessantemente tingindo já uma grande zona da folha que me parece cada vez mais pequena e ao mesmo tempo começo a perder-me nas ideias erráticas e contraditórias...
Estou perdido e confuso na velha prisão da minha mente e enquanto o grande borrão contagia as folhas que lhe subjazem vejo-o cavalgar para as margens como se tentasse conquistar o mundo para o tingir de azul escuro.
Agora já não há mais tinta para te escrever, e olhando para o grande borrão no papel vejo tudo o que há em mim. Deixei no borrão tudo o q tinha dentro e acho que com ele te disse tudo o que tinha para dizer. Mas ainda que haja muitas páginas para escrever, em todas elas os resquícios do borrão que deixei hoje crescer pela mão da minha minha mente, ficarão marcados até que o papel se esqueça...

sexta-feira, setembro 28, 2007


Photo by: Diogo Franco

quinta-feira, agosto 30, 2007

Amar

O meu amor não é um plágio pois que se o fosse seria de outro e não meu. O meu amor não é único pois que todo o amor se julga único e o meu é, portanto, apenas o meu amor e nada mais. O meu amor não é leve como os que vejo em meu redor porque me pesa sempre nos ombros de o não ter tanto como queria…
O meu amor veste-se de esperança quando é tudo o que ainda não tive, cobre-se de estrelas quando as noites são demasiado pesadas, voa quando a mente me prende e prende-me quando a alma me voa e só não é banal para quem o vê de dentro como, aliás, todo o amor sempre é…
Por ironia, o meu amor é meu sempre e quando não é só meu!

segunda-feira, agosto 13, 2007



Photo by: Diogo Franco

sábado, julho 28, 2007

Lisboa

Vejo-te morrer pelas ruas mas não paro, vejo-te escorrer para as sarjetas e ignoro. Vejo para além dessa luz que é só tua e encontro-te frágil e negra, infeliz até… mas sigo porque só te sei assim. És não mais que tu e não sei se não te sofro por nunca te ter querido ou se te amo demais para admitir o teu sofrer!
Entra a noite para te dar a luz que não se vê. Escondem-se os ratos com as baratas no interior das portas fechadas e as ruas desertas abrem-se para deixar correr o ar. Renasces ser luminescente da escuridão bebendo a água que corre a teus pés sem agitar. Corres ágil e bela por colinas e arcos iluminados do teu dorso de animal noctívago. Já não és triste… estás livre… livre dos teus. Mas será que alguém te viu?! Será que alguém descobriu como és?!...
Já é tarde! Foge… foge agora! Corre enquanto a luz não vem para te expor, esconde-te “capuleto” de pedra, esconde-te dos teus. Hiberna mais umas horas que o sol já te raia nas fronteiras para te desmascarar…
Ei-lo já estóico e quente. Trouxe com ele os ratos e as baratas e devolveu-te a luz que só te esconde… escapaste. Voltaste a ser triste para que assim todos te ignorem... talvez te esqueçam.
Prometo que não digo a ninguém quem és de verdade nem onde estás, e sei que se não quiser esperar por ti até à noite, peço à roupa pendurada nas varandas que me deixem ver-te numa sombria ruela de calçada.

terça-feira, julho 17, 2007



















Photo by: Diogo Franco

sexta-feira, junho 15, 2007

Monstros

Cavalgando fogem as horas vazias da vida que nunca foi, fica a saudade do que nunca chegou a ser... Como somos ingénuos, talvez até pedantes, os que imaginámos como iria ser bom, como iria correr bem e no fim só resta a tristeza da cruel verdade que nos rasga de nós quem julgámos ser.
Que monstro escondemos dentro para que nos dias de ventos de norte nos voe real à flôr da pele para nos atormentar a mente?... E afinal quem somos nós?! Como podemos negar o monstro, se o gume de Chronos corta a carne e range no osso para nos mostrar uma e outra vez que somos nada mais que outro igual, outro monstro como os demais?! E logo nós que nos julgávamos Adónis...
Deixamo-nos morrer a pouco e pouco para nós e os factos não parecem querer travar a eutanásia. Vamo-nos deixando ficar pardos no arrastar do espírito, perdemo-nos labirinticamente no êxtase do onirismo porque despidos de nós já nada somos... E o monstro que nos querem forçar para nós?! Existe?! Tenho para mim que sim... cada vez mais o vejo e como tal não me revejo, por isso talvez seja melhor entregar-me ao rufar da inevitabilidade, apagar os sonhos no esborrachar da beata velha e morrer de vez para mim...

sexta-feira, maio 11, 2007

Eternuridade

Era côr-de-mel o meu suor
No suave derreter da tua tez
E nos dedos a memória de pedra
Amanhecia as tuas arcadas
Esculpidas a suspiros

Era doce poesia o ondular
Na calma pele do teu peito
E a ternura do teu sono
Discorria pelo olhar murado
Plantado no meu amor

Hoje perco o sono em teu cheiro
Triste das pontes que perdi
E chora a cama que não esquece
A quente voz dos nossos corpos
E os sorrisos que deixaste em mim

segunda-feira, abril 30, 2007
























Photo by: Diogo Franco

terça-feira, abril 24, 2007

Escuridão

Quiseste saber se chorava, e juro que te quis dizer que não porque sei que senti-lo-ias como teu, mas não te menti… e quando perguntaste porquê, não te soube dizer!
Hoje sei…chama-se medo esta vertiginosa impotência da mente que não nos deixa fugir de nós, que querendo não se esquece e que tinge a alma para a deixar como a terra salgada! Se te disser que me sufoca, mais me prende a voz, se te disser que me visita nas noites, mais lhe abro a porta!
Mas se te não minto e tudo isto te digo, é porque tive descanso de mim nesta brecha das edificações devolutas do meu mundo. Agora sei que me deixo anestesiar pela dor dos cortes na alma, e que o meu sangue sabe ao mar de teus olhos… é por isso que te peço que não chores por mim que eu choro por nós, é que esta dor é alfa e ómega de mim, destrói mas pertence-me…
Desculpa se deixei de te proteger da minha escuridão, mas por mais que tentasse já não conseguia emprestar-te mais a minha própria mentira…

sábado, março 24, 2007

Amor

Detrás das brumas fustiga um sol que se espreguiça nestas encostas a sul, e enquanto não chegas volto-me para vestir perdido o azul que me esgota a vista. São meus braços asas brancas, líquido o meu peito na imensidão da vontade de te rever e o tempo escorre por mim em segundos ou dias… não sei… Iludo-me ao ver-te em todos os que passam e só assim, por não mais que um instante, ganham eles côr até voltarem pela desilusão a ser o cinzento baço do cenário da rua.
Vejo-te ao longe e julgo-te ilusão como tantas outras que criei, mas és demasiada côr e não te esbates. O vento que trazes nas costas arqueia-te o peito em proa como as muitas ancestrais que antes de nós aqui chegaram, e só a tua delicada mão impede o teu cabelo de te ultrapassar na vontade de chegar primeiro. Extingues o teu olhar vão no beijo que com ele me lanças desde longe e flutuas acelerada pelas ondas que se erguem sob teus pés…
Chegas finalmente a mim, tu que nunca partiste!!!

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Começar no fim


Dividido por Julho finda agora neste Fevereiro um ano deste Blog. Aos que comentaram, visitaram, odiaram, amaram e foram indiferentes um enorme agradecimento pelo vosso tempo que aqui gastaram. Peço desculpa pela falta de novidade nos ultimos tempos mas ainda não encaixei estar mais só nas amizades. Deixo apenas a promessa de em dias de mais e maior sol voltar de novo a quem eu era...

Obrigado a todos

quarta-feira, dezembro 06, 2006


Photo by: Diogo Franco

segunda-feira, novembro 06, 2006

Átomos...

Fazendo jus a uma outra teoria do caos dividira-se um átomo sem libertar energia para, ao invés, a multiplicar centripetamente em cada uma das suas duas partes. Cada uma delas deixara-se depois atrair por diferentes massas gravíticas ganhando então uma consciência que borrara a memória de um dia terem sido um mesmo corpo. Julgavam então dirigir-se a algum lado num movimento não uniformemente acelerado, já que ocasionalmente era impulsionado ou travado por grandes conservações de momentos lineares de outros que, como eles, vagueavam vendo apenas um único vector.
Moldados por osmoses ininterruptas, encontraram-se já mais tarde despojados de si próprios, mas quiseram pois mudar esta inércia tentando erigir a custo arcos de voltas perfeitas nas suas almas para suster os seus corpos. Pararam e olharam em redor...
Era frio o dia e estranha a luz que morrendo jorrava sobre todos os outros. Cansaram-se. Seria em uníssono, Outono e Inverno no tempo de um Deus menor para que tudo se arrastasse naquela amordaçada solidão de passos e olhares cheios daquele vazio? Indissimuladamente fétido, via-se nítido na tez cor-de-gelo dos vultos de sobretudos escuros, mas se assim fosse, quando ruiriam então as suas cascas, as suas caras para o mundo?!... Ou seria que por não serem eles há tanto tempo se haviam já tornado naquilo que haviam construído para os outros? Seriam já outro alguém com o mesmo nome que de fugir às tormentas do lado de cá da pele, bolinavam agora pelos factos ao gosto do inútil?! Será que ainda eram eles mesmos ou já se haviam perdido para o vazio de eles mesmos?! E no final, isso importaria visto que não mais eram que átomos?!…

quinta-feira, outubro 19, 2006

Raiva de algodão

Dormes já mas nunca em mim como não dormimos nunca nas nossas verdades em nossos peitos. Visto o teu corpo ainda nu com o calor dos meus olhos enquanto se expande ácida dentro de mim esta raiva de algodão que é amar-te nas franjas do tempo.
Será assim quando partires de novo para me deixares a revisitar-te em saudade pelos meus dias de chumbo, porque por entre os bairros tristes da minha memória só num pátio habita o sol. O teu…
Mas tantas vezes ignoro frustrado o caminho de regresso até ele, até aos sorrisos ancestrais da espera de Ulisses que vi encarnados na tua boca uma e outra vez. E juro que morro um pouco quando julgo ver detrás do teu olhar nada mais que o fumo do cigarro sem filtro que te morre na mão solta junto às ancas. Rogo-te que não te esvazies de mim e não te percas de nós. Esconde do tempo a tua esperança na palma da minha mão e segura nas arcadas dos teus sorrisos a chuva de teus olhos, porque sei que mais pátios de sol virão ainda para fazermos nossos…

segunda-feira, setembro 18, 2006

Até mais...



Voltei como irei decerto voltar porque voltamos sempre mas desta vez voltei apenas para dizer até mais, já que não sou amante de despedidas... Sem parar estou parando - ou já parei - porque os tempos são outros e tu não tens mais o tempo que tinhas. Sentirei saudades, embora te visite sempre... Bom, vou indo, porque o tempo foge á frente, porém, hoje acho bem que ele não pare, pois assim traz coisas novas e faz-nos ver com outros olhos a vida e tudo o que passou e creio que tu também precisas disso de nós.
Abraços e até sempre meu irmão!...

terça-feira, agosto 22, 2006

Memória de um soldado

Marchavam os teus soldados negros... descompassados... Dos seus corpos exauridos chovia essa dor que secava a alma quando vi teu pai. Entregou-me a única coisa que podia: aquele abraço impotente e fraco de quem implodiu com o peso do mundo no peito, e foi então que entendi que nos tinhas condenado a todos. Ficaríamos presos por ti para sempre, e ao mesmo tempo aquele sítio passaria a ser lugar nenhum para todos nós, para os que ficámos juntos nesta solidão que nos impuseste por seres um filho do tempo que passa para ficar e não do tempo que passa por passar.
Em redor daquela tua imagem, que tua mãe pensava agarrar com a força que na verdade já não tinha, embatiam os silêncios de água e sal de quem não te pôde salvar de ti próprio e de tudo o que não se pôde ter de ti. Os nossos olhares queimavam os alheios ao se cruzar impelindo na fuga a perdê-los de seguida para aquela mesma calçada… Foi então que a vi pela primeira vez… Trazia o passo certo debaixo da saia negra e as mãos rígidas no equilíbrio inabalável da sua figura. Detrás de um véu olhou ora um ora outro mas a todos, e viu-nos por dentro como se quisesse afirmar que podia… um por um sem compaixão. Aquele olhar que não reagia nunca mas magoava, revoltava e ao mesmo tempo era estranhamente pacífico e vazio, ficou gravado a ferro em brasa no último capítulo da minha memória de ti. Ninguém ousou perguntar-lhe o que quer que fosse, nem eu, pois todos a conhecíamos e nela tudo fazia sentido pela obsidiante força da nossa impotência. Ela levara-te para longe de nós deixando regorgitadas nessa azeda terra que te teve, te consumiu, te tem e te terá para sempre, todas as flores de um estio que viria a ser longo demais.
Queria apenas que soubesses que ainda me perseguem todos os espaços que foram teus e que os dias me parecem ainda mornos de ti como se não tivesses partido, como se ainda esperassem por ti nessa estranha luz coada da tua ausência.

terça-feira, julho 25, 2006

In memoriam


Choram-te minhas mãos nestas palavras enquanto lá fora um novo dia nasce, outro dos muitos que jamais verás. Tinha tanto tempo que ainda queria fazer nosso, tinha tantos abraços para te envolver, tinha tantos olhares para trocar por sorrisos teus, e agora que parou o tempo para ti, que posso eu fazer com tudo o que resta de ti em mim e que inacabado ainda te reclama?
Ainda não acredito que me tenhas feito isto, ainda não acredito que estejas frio, ainda não acredito que tenhas caído por tuas próprias mãos… não consigo… não entendo… e não te posso perdoar!!!
Se soubesses como queima esta dor com que me rasgaste o peito e como são lixa azeda em minha alma as lágrimas com que te choro por já não me restar mais tempo contigo. E onde é que te falhei, onde é que não fui o bastante?
Porque é que me fizeste isto? Porque é que me deixaste assim?... Não tinhas o direito de me ter feito isto, não tinhas o direito de escolher isto, não tinhas o direito de não me deixares tentar ajudar-te. Eu que sempre estive aqui, eu que nunca deixei de te amar, que sempre te vi como um irmão, que nunca te neguei nada… só queria viver-te mais um pouco, dizer-te algumas coisas… que faço agora com tudo isso?! Que farei quando não estiveres a sorrir de soslaio como era teu hábito nas minhas vitórias?
Não acredito que acabou o teu tempo e não te perdoo esta tua egoísta escolha que largou deixado em mim o véu da culpa de não te ter entendido, de talvez ter feito algo que te conduziu a isto ou pior, de podendo não ter feito algo….
Estou confuso mas tenho uma certeza: não podias escolher deixar-me, não podias! Não te posso perdoar porque ainda te amo meu irmão e desculpa não to ter dito em vida!

domingo, julho 16, 2006

Primavera

Havia mil e uma palavras e mil e uma frases que nunca te cheguei a entregar porque não podia. Fazias pulsar o meu corpo com esse teu sorriso morno e da minha boca saiam incontroladas as palavras que me enfeitiçaste a dizer. Tudo em ti sabia a novo mas com o travo dos sabores antigos do prazer, e não te conhecendo parecia já te conhecer… ainda assim nada te disse porque não podia!
Dissimuladamente fizeste das tuas verdades as minhas e comprazi-me ao entender que afinal eu já não era só meu, que o meu tempo fazia sentido na sincronia do teu e que o meu corpo já só respondia a ti…
Agora sou tudo o que mudaste em mim, tudo o que marcaste em mim, tudo o que deixaste em mim e na loucura que é sentir-te minha já perdi a noção de quem sou mas sei que sou feliz. E talvez seja isso, talvez eu já não seja eu porque me mataste para como Fénix me fazeres renascer das minhas cinzas, talvez seja outro ser, um que não havia ainda conhecido e que vou sentindo agora pelas tuas doces mãos para me fazeres real como nunca fui. Talvez até hoje fosse mera folha de Outono caindo perene ao sabor de brisas sem norte… é por isso que te digo, agora que posso, algumas das mil e uma palavras e frases que nunca te cheguei a entregar. Guarda estas nas voltas dos teus sorrisos, no ajeitar do teu cabelo quando este te esconder os olhos pelo vento e sempre que te sentires em paz: “Obrigado minha Primavera”.

quarta-feira, junho 28, 2006


Photo by: Diogo Franco

terça-feira, junho 27, 2006

Blasco de Garay

Voavas na aura do meu desejo e não sabia se fazer-te real era o que queria. Imaginava tímido a tua voz alta de espanhola de cada vez que julgava ver-te pelos passeios de Madrid e ali estavas… de novo sentada naquele mesmo café, que tal como eu já havíamos feito nosso. Três, quatro, cinco, seis metros separavam a tua beleza espectral do meu corpo magneticamente colado à cadeira e esta ao chão e o chão ao centro da terra. Senti o poder da massa física do planeta esmagando-me contra si, impedindo-me de me mover para ir ao teu encontro… senti-me enjoado como depois de uma longa viagem em autocarro e ao mesmo tempo a querer chorar a minha impotência perante tudo.
Ainda ignoravas a minha existência e mais ainda a minha presença, e os metros que nos dividiam eram anos-luz a meus olhos. De repente, pulsa o sangue nos membros e na cabeça, rompem-se as leis desta física e estou de pé… agora já não há volta atrás.
Refreado que está pelo temor da mente, caminha lento o meu corpo como se vestisse um antigo escafandro e me movesse dentro de água, e a cada passo parece que meu coração de tanto bater por ti explodirá quando esteja já a teu lado para que assim não te revele nada da minha alma. Vejo-te um pouco estranha perante a minha proximidade e ao olhares-me e sinto-me ridículo, tenho de matar este silêncio já ou matar-me-á ele a mim…
“- Hola!... Por favor dime solo una palabra que sea para que con tu voz salgas de una vez por todas de mi sueño y te haga real. Es que ya no puedo vivir sin saber si eres mirage u oásis."
Levantas-te decidida e num só gesto encostas suavemente os teus lábios húmidos aos meus, fecho os olhos e desapareces…

quarta-feira, junho 14, 2006

Loucura

Sentado na beira da minha cama, não sei se acordei já. Não abro os olhos, ainda é cedo para ver o que é real mas de repente algo me invade… de repente sou feliz! Não me quero mover, não quero pensar, não quero fazer nem um gesto. Não pode fugir. Quero que este cosmos, que sobre mim se derramou, em mim habite… só mais um pouco. De uma só vez e em uníssono sou os sorrisos que as faces de meus amigos me deram, os doces olhos que as mulheres que tive me emprestaram, o riso infantil de meu primo Tomás quando lhe faço cócegas, a calma das tardes de Verão na companhia de meus pais, o aconchego do frio beirão na lenta combustão do carvalho na lareira, a leveza da luz de Lisboa ao pôr-do-sol, a decisão das vozes que fremem altas em Madrid e sempre me contagiam… em tudo isto fui e sou e tudo isto é agora em mim…
E penso: “seria demasiado ficar neste mesmo lugar, assim, para sempre nesse vício de egoísmo puro que deixa o mundo correr fútil e vago lá fora?! Entregar-me à loucura de permanecer feliz até perecer na fome?!...” e neste mesmo pensamento se exaure de essência este momento que ainda que fugaz sei que foi meu.
Afasta-se rápida essa tal de “loucura” momentânea. Ponho o peso nos pés contra o chão e sinto-me desperto, e ainda que não acordado cumpro agora a velha rotina. Primeiro a camisa branca como o pensamento da manhã, depois a gravata encarnada como o sangue que a trote pulsa em minhas veias, o fato escuro que ponho mas não visto, os sapatos negros que calço mas não uso e assim tapei do mundo o homem que acordou feliz…
Paro em frente ao espelho, olho o que resta de mim e afinal não sei se, ao invés, não será isto a loucura!

terça-feira, junho 06, 2006


Photo by: Diogo Franco

sábado, junho 03, 2006

A espera

Naufragam teus olhos em coisa nenhuma
Densos que estão das âncoras no ontem
Pois nas ruínas dos portos de teu peito
Já não atracam as palavras que esperas
Porque ainda esperas…
Fustigam as ondas negras da noite em ti
A carne que nesse teu corpo se fez pequena
Por já quase não ter alma para conter
De tanto se esvair em sal e água
E ainda esperas…
Agora até a suave maresia corta a tua fina pele
Com os pregos desse barco que à deriva implodiu
Mas na dor não parecem ser maiores a essa farpa
Que cravada apodreceu à esquerda de teu peito
Mas ainda esperas…

sexta-feira, maio 26, 2006

Do sonho à utopia

Por mim outros disseram antes que confundimos as nossas pernas trocando de corpo, que em teus lábios ficou meu suor e em minhas mãos teus seios, mas o que ninguém disse foi que antes deste nosso calor éramos já só um. Ninguém disse que já antes teus olhos eram meus, que meu caminhar era já teu e que minhas mãos já só o eram para se fundirem nas curvas de teu corpo. Ninguém disse que antes de o sermos já o éramos e ninguem o disse porque ninguém o viu… nem nós!
É por isso que não sei que vêem teus olhos enquanto meus pés erram pela calçada e deste vazio na doença que é querer-te e crer-te, me resta apenas a fraca verdade de que teus seios carecem estas minhas torpes mãos como o meu suor de teus lábios… e onde estás que não te sinto de tão dormente que estou?!
Sei que te sou e que me és, que me pertences como eu a ti, que tens todas as chaves de minhas portas e todas minhas janelas dão para o teu mar. Mas quem és?! E onde estás que de te ver em todo o lado não te vejo de todo?!
Se sou teu reclama-me para ti, se tanto me queres procura-me, se me sentes encontra-me. Desculpa-me se forças não encontro já nem em meu corpo nem em minha alma de tanto em vão me magoar para te trazer aqui, mas começo a fazer-me crer que este sonho não é mais que uma mísera e infrutífera utopia…

quarta-feira, maio 24, 2006

Aquela nossa noite

Entraste na minha noite, pequena e singela, para depressa a fazeres nossa. Mas para mim foi como se o mundo tivesse começado a girar noutro sentido para me mostrar com outra luz o que há muito não via, se é que alguma vez cheguei a ver.
Impuseste a tua voz sobre a minha e juro que por momentos julguei que nem sequer me ouvias, mas deixei de lado o orgulho e desculpei-te na tua inocente graça. Sorrimos e rimos, mexemos os corpos, molhámos os lábios um pouco salgados pelo ar húmido que se fazia sentir, e assim o tempo se esqueceu de nós.
Já na claridade que anunciava a morte da noite, demorei mais no compasso já lento que levava para acompanhar teus pés cansados e doridos, mas ainda deste-me um não pouco convicto mas nobre, quando me propus carregar a tua leve existência em minhas costas. Jamais esquecerei os tímidos sorrisos que de soslaio me deste enquanto testava a tua paciência ao volante, e deixei-me seduzir por eles para não encarar a verdade de que, depressa e de novo, iríamos apanhar o tempo dos outros mortais e que então ter-te-ia que deixar... E pode até ser que me tenhas sabido mais doce pelo vazio que muitas vezes tem sido a minha vida, mas pouco me importa porque me recuso a aceitar que tudo o que é bom tem um fim, que a seguir ao doce vem sempre o amargo e que estando longe não te possa ter perto.

terça-feira, maio 16, 2006

Melhor que não te queira

Todos dizem que em tua alma há muito que não raia o sol e que por isso teu corpo fraqueja já de quando em vez. Todos me dizem que teu remédio talvez fosse eu, que em mim poderias ser tu outra vez e que nós dois decerto teríamos um plácido amanhã. Mas todos te querem para mim e ninguém vê que a ternura que trago doce em meu olhar só por te ver, a ti não chega. Que a minha esperança destruída morre como ondas de Setembro nas escarpas que erigi nas praias de meu peito e que na ampulheta de teu pensamento sou apenas um pequeno grão e nada mais!
Mas vou seguindo de olhos secos, imaginando o travo quente de nossa saliva e suor sempre que derreto em minhas mãos outros corpos na vingança de não ter o teu... e sei que em breve morrerás por minhas mãos em mim, porque se te sinto mais te nego, porque se não te posso ter é melhor que não te queira!
É por isso que em mim me vou fechando de ti e dos meus sonos intranquilos vou demitindo a lume brando os sonhos onde me assaltavas mais mulher que nunca. Porque não posso... porque ainda não existes como te quero e porque talvez nem nunca chegues a existir...
Enquanto não seja eu o teu remédio não há remédio para mim! Que me perdoes um dia se chegares a querer o meu calor, mas vou delicadamente largar-te num confortável lugar do meu passado para que, não te tendo, jamais me culpe de ter sido por não te ter estimado...

sábado, maio 13, 2006


Photo by: Diogo Franco

quinta-feira, maio 11, 2006

Nós

Pela porta sais
Dessa noite segura
E sem olhar para trás
Deixas-me na tortura
De não saber onde vais
Na tua formosura

Fico em nossos lençóis
Com o que não se diz
Pensando n’outros mil sóis
Em que me farás feliz

Passam as nossas ruas
Por teus leves pés
E no frio que mostras
Escondes ao invés
Curvas quentes e puras
Do que para mim és

Sigo em nossos lençóis
Com o que não se diz
Pensando n’outros mil sóis
Em que me farás feliz

E pela porta entras
No fim do teu dia
Onde já te espera
Esta minha alegria
Mas sem mim enfrentas
Esta cama vazia

Saio de nossos lençóis
Com o que não se diz
Pensando n’outros mil sóis
Em que me farás feliz

quinta-feira, maio 04, 2006

Palpáveis Ilusões

Dou por mim de novo a cair no mesmo erro, a escolher igual caminho sempre que a vida me traz de volta a este mesmo sítio, e não me parece que a memória me possa salvar de mim mesmo.
De novo e como sempre, perdi a conta às horas que passo a moldar-te em minha mente, em que te faço personagem inaudita nas minhas mãos de escritor. Com Tchaikovsky em surdina ao fundo, imagino os cenários pintados à mão em tons de carmim onde vens até mim para ser minha, para me fazer sentir um homem como quiçá não fui ainda, mas no fundo sei poder ser. Mas não um homem qualquer, não um desses homens banais que vagueiam pela vida sem amor com as almas cheias de nada... não, um desses não... quero sentir-me O teu homem! E nesse mesmo instante deixo de ser a réstia dos pedaços quebradiços que as mulheres de ontem fizeram de mim, deixo de ser o que se vê para me tornar no que sou e permito-me aceitar tudo aquilo que tanto esperou por ti bem no meu âmago e que escondi do mundo e de mim só para em secreta intimidade te dar.
E agora, como sempre, espero-te como olhos madrilenos por um mar, espero-te Maria ou Rosa, loira ou morena para que possa ver em ti o que quero, para que aconteças em mim como planeio. E ainda que o tempo te revele para não seres nada de tudo o que quis ver, e que no fundo e como sempre caia esse falso gesso que moldei sobre o teu granito para o velar a meus olhos, e de novo regresse a este mesmo sítio, do qual apenas saí por me mentir... a verdade é que não posso ainda negar que te quero.
E que fazer se é esta palpável ilusão tudo o que sei ser meu, se é este engano o único que conheço que me faz sentir “eu”?! Talvez nada me reste mais senão esperar que um dia o teu caminho me encontre e que debaixo desse gesso com que eu te cobrir em nosso amanhecer, hajam pérolas, ouro e diamantes... para que não haja nunca fim de “nós” e para que não mais me sinta falhado e vazio na culpa de meus próprios enganos.

quinta-feira, abril 27, 2006

Estranhas camas

Conheço a cama onde deitada sei que pensas em mim. Em minha mente deito-me nela também e a teu lado deixamo-nos ficar em silêncio na simples contemplação desse nada só nosso. No medo de perder para sempre o que invisível cresceu plácido ao nosso redor, nem tu nem eu ousamos proferir qualquer das palavras que ainda gritam calmas dentro de nós. Mover-me parece-me agora tão estranho que talvez me tenha esquecido de como se faz, e mesmo que o saiba ainda, sei também que não quero tentar. Não agora que repousa o conforto entre nós, que lá fora o mundo se acalmou nas tormentas dos Homens para nos deixar ali, que tudo ao nosso redor se cristalizou no seu melhor momento para nos encastrar no seu esplendor floral de luz... e assim ficamos, julgando ser esta a nossa eternidade.
Mas talvez não! Lá fora ainda sofre o caótico trânsito da manhã; o sol, que pouco sol revela ainda, queima já no seu arrasto, e em nós pesa inglório o ónus dessa ignóbil vergonha de esticar a mão, de ceder, de ser o primeiro a tentar, de nos engolirmos a nós mesmos, de abdicar. Estamos à distância das nossas cordas vocais, da vontade de nossos pés, de um gesto em nossas mãos, mas orgulhosos e conscientes falhamos... como sempre...
Somos indigentes das nossas verdades e sabêmo-lo! E é por isso que não estamos na mesma cama, que nas camas onde estamos juntos na verdade estamos sós, e que a nossa cama só o poderá ser quando e se ambos assim quisermos.

domingo, abril 23, 2006


















Photo by: Diogo Franco

terça-feira, abril 18, 2006

Escritor de sonhos

Naquele chão de tábua corrida, gemem passos arrastados como se o afagassem no carinho da memória de tantas primaveras já partilhadas. Demora mas chega ao sofá que, moldado a si, lhe sorri num convite a mais umas horas de viagens no silêncio. Recorda que sem sair dali já foi a todos esses sítios que nunca viu e ainda assim jamais esquecerá a que cheiram, a que sabem, que gentes há em cada chão, que esquinas emolduram cada horizonte e que pedaços de si deixou repousar em cada um deles.
Mas desta vez será diferente, desta vez será a sua. Dirá tudo o que não disse e fará tudo o que não fez, esculpirá a vida como a vê e pintá-la-á apenas das cores que crê ter. Num instante escapam-lhe os olhos cansados para a janela, recosta-se e com a lentidão a que gira agora o seu mundo deixa-se levar… Encontra quem nunca chegou a conhecer e desta vez dá-lhe nome de élfica bailarina do ar. Floresce na sua face pequenas sardas atrevidas, molda nas suas pernas finos copos de cristal e no seu peito simétricas colinas de um alvo cetim. Compõe a musicalidade da sua cintura com as notas da sua doce voz e por um só momento parece pairar para ele, suspensa por invisíveis fios de uma sublime teia que tece em sitio nenhum. Essa mesma silhueta chama-o agora numa língua que não entende e sem receio ou arrependimento salta ao seu encontro. Mas desta vez será diferente, desta vez fá-lo para nunca mais voltar.

quarta-feira, abril 12, 2006

A dor de saber

Para lá das portas de minha alma escrevi em etéreos pedaços de nada o teu nome a ferro e fogo para que não esquecesse jamais de me lembrar… para não te repetir. Gastei neles uma parte de mim, aquela que libertei, e carreguei no meu latim todas aquelas palavras que dizes não terem sido para ti mais que redundantes e ininteligíveis delírios meus. Negas-me perante ti e deixo, mas não esqueço e não descanso desta gasta desilusão!
Guardo na dor da pele ferida por este auto-flagelado fogo que juro sentir frio, a memória de como te senti um dia estóico pilar de algo alvo e maior, leveza de um outro dia de vítreo sol, perene embriaguez das nossas ondas… mas terás mudado ou ter-te-ei visto pela primeira vez?!
Sei que agora em todas as manhãs substituis as tuas fátuas máscaras na real ilusão daquele vidro espelhado à saída de casa. Sei que as sentes gastas de ti, mas ainda assim fraquejas na negação dessa inércia morna que te habita e deixas-te exaurir da fraca vitalidade que decerto ainda tens no teu jovem sangue. Sei que por isso te imiscuis rápida no trânsito dos passeios como se tentasses por osmose apoderar-te da energia dos outros mas sentes-te só e diferente… e és agora apenas uma mais!
Mas quando um dia descobrirem que és um logro? Que não és quem julgam seres e não pertences a lugar algum? Que não és nem sol nem neve, nem serra nem mar; que és tão somente brisa carregada e leve, sem norte ou sul, ora seca ora húmida? Que em ti anoitecem todas as chamas negras do teu lento definhar? Não sei que será de ti mas sei que não és como te vi...

segunda-feira, abril 03, 2006

Palavras de um beijo

Não tivesse eu sido
Mais um anjo caído
Largado em vão

E a vida não fosse
Nem acre nem doce
Sem sal no meu pão

Teria eu pergaminho
De um outro caminho
D’outras pedras do chão?

Outra simples vida
Qual sombra invertida
Desta triste razão?

Ou seria agora
Como fui outrora
A mesma velha canção?

O mesmo corpo despido
Em palavras tecido
Como um beijo na mão...

sábado, abril 01, 2006

Resposta

Na beleza tua que ignoras, emprestaste indolente o dourado às chamas do frio mundo ao qual não pertences e deixaste-te olhar de igual pelas aves que recortavam pedaços daquele céu que, com tuas mãos aladas, tentaste roubar para fazer meu. Mas ter-me-ei deixado dormir?!...
Agora olho ao fundo os dias rasgados do calendário, na esperança de neles ver mais do que os sois que fugindo morreram para não mais nos pertencerem. Abro nas mãos aquela janela, que em sorrisos cheios de luz me habituei a ver-te libertar, mas falha-me o gesto pois não é nem teu nem para ti e já nem olhos pareço ter para estas banais manhãs. Questiono-me porque é que, querendo-te, fujo invariavelmente sem jamais render a minha débil sobranceria perante aquelas tuas verdades com que marcaste, com o teu azul escrito, tantos papéis meus. Porque é que detrás de mim me escondo cheio de mar e céu e fogo e vento e “eu”, escolhendo vestir a mentira de te fazer crer que sou diferente de ti, que sou penumbra de gente, invertebrado impermeável a lágrimas e sentimentos teus. E será que estarei a dormir?!...
Temo-te a grandeza apaixonada e a vida que carregas forte em teu sangue, e assim sigo enganando-te nesta impotência de ser eu perante ti. Mas depois desta cruel dança de jogo de xadrez, que controlo com torres negras, seguirás sem esperança de ver em mim a luz de teus inebriantes desejos?... Virão dias de pequena glória doirada, largados de mansinho a conta gotas na terra, sobre a forma de um sol de Primavera?... Ou será que dormirei já em ti?

segunda-feira, março 27, 2006


Photo by: Diogo Franco

sexta-feira, março 24, 2006

A minha Covilhã

Repousa já quase na sua totalidade a luz natural do outro lado do maciço que se reclina para a acomodar a cidade no seu regaço. Longos campos se espraiam bucolicamente aconchegando de doirado e verde o sopé onde as casas, para se refugiarem do granítico frio que teima em soprar de norte, se juntam ao calor da luz de candeeiros alaranjados.
Sulcada pela violenta vontade das águas livres que outrora a fizeram mover, a cidade aperta nas quelhas o labiríntico abraço da sua velada beleza e deixa que seja hoje o caminhar jovem de outros lugares a encher de energia os antigos pinheiros que anarquicamente a circundam.
Aqui as almas emanam puras de bocas que se abafam no sotaque fechado e a neblina não é igual à de lugar algum. Esta parece sempre unir-se progressiva e lentamente na missão de abraçar, por uma noite mais, o sono de ruas que sempre se sobem em desafio ao contrário sentido das ribeiras, onde as contíguas fábricas jazem injustamente flageladas pelo chicote pesado dos anos. Talvez esperem ainda, e em vão, que uma mão gentil e meiga as socorra do fim que ainda hoje são renitentes em aceitar.
Erigida na brutalidade de máquinas texteis sobre a base de um verde equilíbrio permanente e coroada sazonalmente por neve, sei que não é só uma cidade, é uma plácida simbiose de liberdade e conforto que me deu mais do que algum dia poderei devolver.

sábado, março 18, 2006

in-existentia

Põe o seu melhor vestido negro e nele não se permite ver nada mais para além do que quer. Põe a base, em excesso, para esconder a tristeza de ainda ter que a pôr e em seguida deixar-se cair até ao distante piso térreo onde o grande cavalo, igual a tantos outros nunca brancos, a leva até onde julga ter de ir. Antes de se deixar conduzir ainda olha de relance os néons da rua que incitantes parecem fremer para si.
Agita-se já mais torpe e por momentos crê-se comandada por olhos alheios que lhe moldam os movimentos no corpo e assim se dista de si ainda que isso não pareça importar-lhe de todo. Mas galopam as horas de um dígito entardecendo nos seus membros a noite e acordando a neurastenia da primeira luz natural que a conhece tão bem.
E de repente já não é, foi… e agora não quer regressar… mas regressa lentamente e arrasta atrás de si o fundo dos copos que não partilhou. A rua parece-lhe agora feita de uma aguarela demasiado alva e pouco forte nas cores que se vai borrando disforme à sua passagem.
Sobe para o seu cavalo, que de novo sem cavaleiro, lhe parece agora um pouco mais escuro. Alterna o seu playback que corta ousadamente o silêncio por alguns olhares distantes no vazio (talvez o seu), ao mesmo tempo que o pesado frio húmido do Inverno lisboeta funestamente incomoda e alastra dos braços para as costas.
Já está em casa e ainda que o profira jamais a sente. Deita-se e de olhos fixos na imensa e envolvente escuridão não sabe se vai dormir ou acordar por umas horas…

quarta-feira, março 15, 2006


Photo by: Diogo Franco

domingo, março 12, 2006

Sísifo

Não escrevo mais porque não quero! Ao ritmo do toque de caracteres outro pedaço de mim se arranca polido para depois se esbater no negro fundo digital a que o condeno.
Entrego-lhe o nome que para mim tem e deixo-o repousar ao som da matemática sinfónica das mentes de quem o lê… se é que os há!
Não espero e não quero com eles juízos de mim porque ainda que me pertençam e sejam também parte minha, não o são em lugar físico porque não tem de ser e nunca assim quis. São mudos gritos que me libertam do espartilho do que tem de ser, tornando belo o que não foi, real o que não é, doce o que a acre sabe ou tudo isto e algo mais que sempre se pinta com outras cores para as quais ainda não há palavras em todas as línguas dos comuns mortais.
E se digo que não escrevo mais escrevendo, é porque de novo, quem o escreve e quem o afirma não pertence ao mesmo lugar já que no fim escrevi e, como Sísifo, tudo recomeça…

sábado, março 04, 2006

Separa-nos o que nos une

Ruge esta casa em rancor à solidão que nas portas fechadas habita. Gasto de ti, denuncia obsidiante o espelho que troco no olhar pela janela cheia da luz que já não usas.
Fogem-me nos dedos fechados o tempo que não posso agarrar dos mil elogios que trocávamos por sorrisos e dos mil verbos inarticuláveis pelo meu torpe pálato com que tentei moldar as brancas páginas do nosso livro. Mas fez-se já tarde demais na dura altivez das tuas palavras que ditas de costas para mim emprestaram luz ao que nunca me permiti ver.
E assim nos separa o que nos une, toldando o proferido pelo pragamatismo de uma vida à qual não se pode nem fugir nem gostar e segue-se na sofreguidão do consumo dos dias desta convivência impelida, porque o regresso a nós é hoje não mais que um uníssono “NÃO” temperado a lume brando pelo peso de escassos “SIMs” de conveniência que em consciência nos desgastam.
Em nós há apenas o que tem de haver pois despiste-nos da simplicidade desinteressada que para mim tenho como substrato de histórias comuns! Até já e até ao nosso esperado fim…

domingo, fevereiro 26, 2006

Suicídio de outro dia

Ali consumia o tempo à velocidade a que um whisky escapa de um copo, ainda hibernado de corpo e alma nesse deambular diurno a que a crescente inércia do passar dos dias impeliu. Em frente e do outro lado do conforto dessa tua racional solidão, como sempre, nada mais amanheceu em tuas palavras e gestos que a ténue aurora de uma talvez azeda esperança que sabias ser palpável para mim.
Abandonou-te extinta a luz trémula da lareira e o som daquelas cordas empurrou-nos ao encontro do peso das pálpebras e quiçá ao da mente. Saímos.
Entregando os passos a um chão que não os conhece, segui em linha recta enquanto me pagavas com o teu silêncio a ousadia de ter sido eu próprio outra vez. Passámos por aquele mesmo café, desta vez numa outra ponta da cidade, enquanto do lado de fora da oblíqua janela periclitavam, sobre braços de madeira despidos de folhas, pequenos troços do branco céu que cobre Madrid nocturno.
Desafiante, acendeste um dos teus cigarros com o pretexto de que era só mais um e assim, sem que te desses conta, se suicidou por ti o final de outro dia meu…

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Silêncios Binários

Minha mão deixara já o displicente indicador percorrer tantos outros sensaborões caminhos quando meus olhos te distinguiram em relevo das pequenas flores castanhas que compunham em padrão o papel de parede que te rodeava. Esculpi tua alma em minha mente nas cores e formas dos silêncios binários que havias deixado estampados sobre a forma de ecos reflexivos e ávido consumi-os ao ritmo feroz de uma sofreguidão voraz que julgava não ter.
Seguiam-se os dias e pautava-se o passar das horas daquele, não pela escuridão que fazia fora, mas pelo morno embalar do pêndulo do alto relógio da sala quando, com os mesmos silêncios binários (estes meus), me dirijo a ti. Ainda hoje não sei se te pesa a âncora no ontem fazendo com que as noites caiam lúgubres e lentas como se fartas estivessem de o fazer todos os dias ou se foi isso apenas uma projecção minha no que julgava seres tu. Essa certeza também não tem que ser o lastro da minha descoberta, pelo que seguirei a ler o mapa que os teus silêncios binários traçarem de ti... há verdade em que são eles que “nos concedem a ilusão da eternidade”.
Obrigado a ti que sabes quem és!

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Pedaços de papel

Entreguei-te naquelas escadas de cinzento cimento um papel que não era maior que a minha pequena certeza mas que continha dentro o meu mundo. Venci o medo das hienas da tua companhia e enfrentei a surpresa de teu olhar sem saber o que esperar. Não o leste ali e visto à distância de todos estes anos talvez isso denotasse já que não eras uma entre iguais.

O que o tempo nos reservou para o então futuro, hoje passado, foi o da simplicidade de um amor baseado na instabilidade aparentemente estável da nossa incipiência e atormentado por pais e hormonas. E assim seguimos a pequenos passos, com o marcado regozijo da simplicidade de coisas tão complexas, até ao dia em que se precipitou outro pedaço de papel, este fatal e do tamanho do que se havia já acumulado um do outro em nossos dias.

Depois de um perdão que mais apelou ao medo de solidão de ambos e à protecção recíproca num novo ambiente em tudo hostil que a um qualquer racionalismo, regressámos já diferentes ao antigo mesmo. Assim, cedo a minha infantil ânsia de viver, misturada com as vicissitudes de menino mimado que sempre teve o que queria, embateram no muro do teu conformismo ao status quo. Durante algum tempo desejei ainda que algo mudasse em ti para que algum futuro se vislubrasse mas depressa me distraí com outro alguém que se apresentou no meu caminho e tu seguiste o rumo da tua felicidade. Hoje és demasiado diferente do que havia conhecido de ti porque alguém te mudou, alguém fez de ti o que eu não fui capaz… fazer-te feliz!

O que com ele criaste em ti, completou em simbiose o que te faltava, e hoje, talvez por estar eu também feliz, o consiga escrever sem quaisquer véus ou falsas pretensões. Lamento ainda assim que não o faça em outro pedaço de papel de um outro formato, tamanho e côr mas já merecias estas linhas...

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

















Photo by: Diogo Franco

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

A meus pais

Eis que sou de novo empurrado para uma outra nova vida que começa, como sempre, sem que tenha pedido. Arrancado do confortável ventre dos livros, não consigo mais que pensar nas saudades que tenho dos tempos em que, em absoluta paz, puxava repetidamente curioso os pelos dos braços do pai e das vezes que os olhos da mãe me viam adormecer aninhado em suas pernas em frente àquela lareira.
De vosso amor ergueu-se alguém que assentou as loucuras em fieis sanidades e aos tropeções foi encontrando livre os seus caminhos para fora dessa cidade e desse país mas nunca para fora de vós.
Sou hoje os mesmos olhos que viam o frágil olhar molhado que na mãe murchava sempre que me despedia, o mesmo riso que soltava quando o pai me beijava o pescoço em tenra idade, a mesma voz que tentava adivinhar pelos inebriantes cheiros a comida da mãe, o mesmo corpo que aconchegavam ambos noite após noite em meus lençóis, a mesma euforia das noites de Natal, o mesmo tonto que tantas vezes abriu a custo os sorrisos escondidos na barba do pai e outras tantas sem custo algum a irritação no semblante da mãe.
Poder-me-ão dizer que na verdade sou muito mais que estes pequenos “nadas” que guardarei num canto quente e acolhedor do meu peito até ao dia que este corpo pereça, e poderá haver até lastro nessa razão, mas sei que sempre que me encarar no espelho verei não somente o que fui e o que sou, mas o que foram e o que são pois afinal serei sempre… o vosso filho.

domingo, fevereiro 12, 2006

Deixa-me... um SIM!

Deixa-me! Quero estar só no meu silêncio sem paz… Não quero mais a podridão das falácias proferidas já murchas nesse tom tão teu. Não quero mais do mesmo de sempre nem a mesma usada frase que teimo em não entender! Será que tudo redunda numa mesma espiral indiferente ao tempo, condenando-me a reviver inexoravelmente tudo o que há muito deixou de ser novo? Serei assim tão melhor que tu para que não me mereças?...
Deixa-me e não voltes sem trazer-me o que te rogo e que no fundo sabes ser tão simples. Trá-lo sentido e honesto, pleno de ti como o olhar meu que te propus entregar. Traz-me o que só tu me podes dar, traz-me o teu SIM que sôfrego farei meu!

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Conheço-te

Cravas no chão o cigarro e o olhar em mim. Lemos o que dista de nossos corpos com a telemetria da mente mas afastas-te para trás do escudo de palavras que habilmente teces na tua defensiva fuga. O que dizes é para mim uma língua estranha mas sorrio pois teus olhos fogem ao encontro com os meus e teu corpo mente nas mãos irrequietas.
Confino a minha mão fechada a teu rosto e deixo descansar nela teu queixo enquanto me deleito na rigidez metálica a que minha proximidade condenou teu imóvel pescoço. Demites-te dos verbos e segues-me de soslaio, expectante e atenta, enquanto passo lentamente por tuas têmporas e sussurro ao teu ouvido: “conheço-te…”. Volto a encarar-te mas agora sou eu quem se afasta a passos dissimuladamente largos. Laço, por um espelho, um olhar à tua ainda estática figura mas estás outra vez longe demais.
Levo-te em minha mente e sei que também ficarei em tua porque te conheço…

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

madrID


Olhados de cima por clássicas flores de gesso, agitam-se autistas ursos bípedes na espertina da manhã em direcção a medronheiros envidraçados que, de tão azedas cores terem, fizeram esquecer na boca o doce que podem ser. As raízes das gentes, cortadas pela eléctrica toupeira de metal, fazem com que tudo neste lugar me seja estranhamente familiar como se outra vida minha se imiscuísse coloidal nos dias.
Sedentos, meus olhos buscam as pedras da calçada que contumazes não florescem deste chão cinzento enquanto as vogais fechadas que não se ouvem em bocas alheias esperam que “saudade” se reduza ao estatuto de simples palavra. Aqui ainda não sou eu, mas serei! Num futuro com sabor a sumo de tomate com pimenta e banhado de Manzanares…

terça-feira, fevereiro 07, 2006


Photo by: Diogo Franco

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Tangente e outro eu

Anseio a noite que invariavelmente alargo nas ideias com a esperança de reencontrar o doce sabor dos pequenos e fugazes momentos em que me sinto mais perto do que quero para mim. Mas será isso "eu" ou "tu"?!
Sempre foste a outra escolha, o outro caminho, aquele que não escolhi sempre que a vida bifurcou, és tudo o que não fui e não sou. És a minha sombra, a minha negação, o meu antípoda. Nada nos une, nada nos separa... e somos "Uno" apenas, pois só existes na condição da minha existência. Porque só ÉS porque eu SOU, porque só ÉS em mim, e no entanto talvez sejas mais do que alguma vez fui.
Sinto o amargo e ardente gume de tua traição e de teu engano que, nús de hombridade e honra, me fazem correr em paralelo e sem tangentes com quem ainda não conheci. Mas no fim sei que não serás mais e teus jogos tampouco quando minha sobranceira hombridade encontrar uma tangente à qual chamarei um novo "tu"...

domingo, fevereiro 05, 2006

O Real de um sonho

Foge já o damasco sol oblíquo, alertando as massas em estado patológico colectivo que se acerca o final de outro dia de sôfrego correr para o nada, quando encontro o teu corpo aninhado num banco usado já por tantos e julgo ver no teu cabelo escondido a tua inocente vergonha... dessa tua banal figura tudo me toca.
Aceito o desafio do teu plácido estar e fico. Zelo pelo teu intermitente sono revisitando Heracles a cada aconchego de minhas pequenas e trémulas mãos. Tuas linhas são fios de Ariadne para meus olhos e o exalar de conforto que teu corpo pausadamente emana aquece a minha fraca carne e entorpece-me a mente. Largo repousado um leve ósculo em tua frente e deixo-me embalar também ao encontro do cansaço. Ligo o sonho real ao real de um sonho e sigo contigo até que o audaz e fraco sol destes dias de Inverno me traga de volta para à doce paz de teu sono.

sábado, fevereiro 04, 2006

Se desejar fosse ser

Esperei que me visses mas só me olhaste, esperei que das tuas mãos brotasse Midas e que em teus olhos houvesse mar... mas mar não foste, de Midas nem a côr e não creio que de me olhares mais sobrasse de mim que a frágil memória mitificada dos pequenos fragmentos daquilo que outrora fomos. E assim nasci de um sonho que não sei se o foi, marcado ainda na fina pele de minha alma pelo sal do teu corpo, vincado nas faces pelo peso de nós e trazendo ainda nos olhos secos a porta que nunca se abriu.
Mas penso... e se um dia amanhecessem em teu corpo as minhas mãos e elas te pintassesem em tons de carmim, se brotasse de teus olhos ouro e finalmente me visses?... Talvez já não fosse eu pois foste tu quem me assim fez e se então desejar fosse ser não sei se seria teu!

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Acre e doce

Deste meu semblante escuro arrancaste-me hoje um mísero sorriso velado de celeridade e nunca o saberás porque jamais to direi. É Meu o sorriso que livre e leve não pode compadecer-se de uma qualquer interpretação tua carregada de passado. Recuso-me a admitir que os meus sorrisos sejam estes, quero outros sorrisos de outros tempos e gentes que hão de vir, não estes, não teus...
Sei que alguém mos largará imperiosos sobre estas faces cansadas de ti e fará brilhar como outrora as safiras escastradas debaixo de sobrancelhas que jamais deixarei franzir. Tê-los-ei acres e doces como tudo o que é real, quentes de sentido e frescos de despretenciosidade... sei que sim porque mereço mais que esse sorriso que jamais saberás que tive e porque estou farto de usar o mesmo semblante escuro que ja parece fazer parte de mim!

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Talvez

Talvez aconteça que um dia eu desapareça sem deixar rastro, aspirado pelo nada que terei feito a minha volta... e se assim for darás tu pela minha falta?! Talvez não, até porque não me conheces, nunca me conheceste.
De tão proxima estares deixaste-te queimar pelo frio que soprava de mim e nunca entendeste o que te dizia com a magnética distancia dos meus gestos... mas não culpo ninguem porque se desaparecer sem deixar rastro saberei que foi porque como todos nem ele me quis e talvez encontre, assim, paz no meu silêncio.

Photo by: Diogo Franco